A inteligência artificial (IA) não é mais uma promessa futurista, mas uma realidade consolidada no dia a dia das agências de publicidade. Ferramentas de IA estão transformando a maneira como profissionais de criação, planejamento e mídia trabalham, oferecendo oportunidades sem precedentes para otimizar tarefas, gerar insights e automatizar processos. No entanto, essa revolução tecnológica traz consigo uma série de desafios éticos, riscos legais e operacionais que não podem ser ignorados.
Recentemente, o mercado publicitário foi alertado para a importância da responsabilidade no uso da IA com casos de grande repercussão, como o do Grand Prix cancelado da DM9 em Cannes, devido a polêmicas envolvendo o uso de imagem. Este incidente reforça a necessidade urgente da criação de diretrizes claras para o uso da IA, não apenas para evitar punições, mas para proteger a reputação e a confiança da agência.
É neste cenário que o código de conduta para IA se torna uma ferramenta indispensável. Ele serve como um guia prático para assegurar que o uso da tecnologia seja seguro, eficiente e, acima de tudo, alinhado com os valores da agência e de seus clientes. Longe de ser um luxo para grandes empresas, a elaboração de um código de conduta é uma necessidade estratégica para qualquer agência que busca inovar com responsabilidade, preservar sua integridade e fortalecer suas relações de confiança no mercado.
O que é, afinal, um código de conduta para uso de IA?
Um código de conduta para IA é um documento que estabelece diretrizes claras e princípios éticos para a aplicação responsável e transparente da inteligência artificial em uma organização. Para agências de publicidade, isso não é apenas um manual técnico burocrático ou um copilado de termos jurídicos complicados é um mapa que guia o time no dia a dia, criando uma cultura de inovação com responsabilidade.
Esse documento tem dois objetivos principais: primeiramente, proteger a agência contra riscos legais, financeiros e de reputação, garantindo que o uso da IA esteja em conformidade com as leis vigentes, como a LGPD no Brasil e as diretrizes internacionais de direitos autorais. Em segundo lugar, ele visa empoderar e dar segurança aos colaboradores, permitindo que explorem o potencial da IA com autonomia, mas dentro de limites éticos e operacionais bem definidos. A ideia é fomentar uma IA “human-centric” e “trustworthy”, que respeite os valores humanos e a dignidade, algo crucial para um setor que lida diretamente com percepções e comportamentos humanos como a publicidade
Por que sua agência precisa de um código de conduta agora?
A inteligência artificial já está presente no dia a dia das agências, muitas vezes sendo utilizada de forma descentralizada, sem um acompanhamento estruturado por parte da gestão. Esse uso espontâneo, sem diretrizes bem definidas, expõe a operação a riscos concretos, como o vazamento de dados sensíveis, o uso indevido de obras protegidas por direitos autorais ou a veiculação de campanhas com viés discriminatório.
Imagine, por exemplo, que um redator utilize uma ferramenta de IA generativa para criar uma peça publicitária e, sem perceber, o texto gerado reproduz trechos de uma campanha de outra marca. Se essa peça for publicada sem revisão, a agência poderá enfrentar um processo por violação de propriedade intelectual, além de danos à reputação diante do cliente.
É nesse contexto que o código de conduta pata IA entra como uma ferramenta essencial. Ele funciona como um escudo que reduz riscos operacionais, jurídicos e reputacionais, assegura conformidade com a legislação e fortalece a confiança da agência diante do mercado.
O IAB Brasil, em seu “Manual de Conformidade e Boas Práticas sobre Inteligência Artificial na Publicidade Digital”, deixa claro que a agência não tem isenção de responsabilidade apenas porque o conteúdo foi gerado automaticamente. É crucial que as agências implementem políticas de direitos autorais específicas para o uso de IA, incluindo a verificação de conformidade com as leis dos países onde a publicidade será veiculada e a proibição de contornar medidas tecnológicas de proteção de conteúdo.
Outro risco iminente é a privacidade e proteção de dados pessoais. A IA se alimenta de grandes volumes de dados, e a complexidade e falta de transparência de alguns algoritmos (o chamado efeito “caixa preta”) podem dificultar a conformidade com leis como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e a GDPR na União Europeia. A agência, que não cumprir as regras, pode levar multas e ter a reputação arranhada. É preciso garantir que todos os dados usados sejam anônimos e coletados com a permissão clara do usuário
A segurança da marca (Brand Safety) também é uma preocupação central. A IA pode gerar conteúdo falso, manipular imagens e vídeos (os deepfakes) e espalhar desinformação, o que pode ser um grande desafio para a marca e um risco de perda da confiança dos consumidores. Anúncios que criam mensagens distorcidas, promessas falsas ou propaganda enganosa podem aparecer se não tiver um controle rígido sobre o uso da IA. Além disso, usar IA sem uma análise humana crítica pode reforçar preconceitos e desigualdades que já existem na sociedade, levando a campanhas que ignoram ou marginalizam certas pessoas, criando os vieses algorítmicos
A transparência com o cliente é um pilar fundamental. Os clientes estão cada vez mais atentos e valorizam a responsabilidade. Ser transparente sobre o uso da IA não só protege a agência, mas fortalece a confiança e dá mais valor ao trabalho humano e estratégico que está por trás da tecnologia.
Em resumo, sem um código de conduta as agências correm riscos de violação de direitos autorais, problemas de privacidade de dados, danos à reputação por vieses algorítmicos ou conteúdo inadequado, e responsabilidade legal e financeira. Um código de conduta é, então, uma estratégia essencial pra navegar nesse mundo complexo e em constante mudança da inteligência artificial, garantindo que tudo esteja em dia com a lei, diminuindo os riscos e promovendo um uso ético e responsável da tecnologia
Onde a IA pode ajudar e onde ela pode virar problema?
Como vimos, um código de conduta eficaz ajuda a definir fronteiras claras para o uso da IA, incentivando suas aplicações benéficas e prevenindo os riscos associados. É fundamental entender onde a IA é uma aliada poderosa e onde ela exige cautela redobrada ou mesmo proibição.
Usos recomendados e seguros:
A IA se destaca como uma ferramenta de otimização e aceleração em diversas frentes. Ela é uma excelente aliada para:
- Escalabilidade e eficiência: algoritmos de IA podem ajustar automaticamente lances, alocar orçamentos e aperfeiçoar a segmentação de campanhas, maximizando o retorno sobre investimento (ROI).
- Precisão nas decisões de marketing e análise preditiva: a IA permite identificar padrões e tendências de comportamento do consumidor, prever ações futuras e descobrir novas oportunidades de negócio, otimizando a alocação de orçamento de marketing.
- Personalização em massa e criação de conteúdo dinâmico: ferramentas de IA podem gerar textos, imagens e vídeos personalizados em tempo real, aumentando a relevância e o impacto das campanhas, além de reduzir significativamente o custo de produção. Isso inclui acelerar brainstorms, criar variações de layouts e organizar pautas de conteúdo.
- Automação de relatórios: a IA pode automatizar a criação de relatórios de performance, liberando o tempo dos profissionais para análises mais estratégicas.
- Chatbots e assistentes virtuais: utilizando Processamento de Linguagem Natural (NLP), essas ferramentas podem entender perguntas de clientes e fornecer respostas relevantes, oferecendo uma experiência imediata e fluida no contato com as marcas.
Usos que exigem atenção e revisão humana:
Mesmo com toda a potência da IA, a mão humana é insubstituível em várias etapas, principalmente na hora de validar e editar o que foi gerado. Por exemplo:
- Geração de peças publicitárias inteiras: nunca deve ser utilizada sem uma cuidadosa revisão e edição. O material gerado precisa ser ajustado pra ficar de acordo com os objetivos da campanha e as leis, tirando qualquer coisa que possa ter viés, erro ou violar direitos de terceiros (tipo copiar estereótipos ou pedaços de obras protegidas).
- Edição do Output: É fundamental modificar o conteúdo gerado pela IA para atender às necessidades específicas da campanha, garantindo que a mensagem seja verdadeira e que todos os elementos estejam licenciados e sejam apropriados pro público-alvo.
- Análise e contratação de ferramentas de IA: antes de usar qualquer ferramenta, é fundamental dar uma olhada nos termos de uso e nas políticas pra ter certeza de que o que você colocar lá não vai ser usado de forma indevida. Se uma ferramenta de terceiro for usada, o cliente deve estar ciente e autorizar, e os contratos devem incluir cláusulas que exijam a revelação do uso de IA. Não dá para clicar no “li e concordo” sem de fato entender os riscos.
Usos críticos e não recomendados:
Certos usos da IA apresentam riscos tão elevados que devem ser expressamente proibidos ou tratados com extrema cautela, exigindo políticas rigorosas e, em muitos casos, a não utilização. Isso inclui:
- Alimentar ferramentas de IA públicas com dados sigilosos de clientes: isso é um risco gigante de quebra de sigilo e violação de privacidade de dados. A agência tem que garantir a qualidade, integridade e segurança das informações e dados usados, e ter um contato pra falar com os donos dos direitos afetados
- Usar a tecnologia para criar deepfakes ou simular pessoas reais sem autorização explícita: a manipulação de imagens e vídeos para criar conteúdos falsos pode ser um grande desafio para reputação das marcas e a confiança dos consumidores no que é vendido e prometido. Se a marca é capaz de criar pessoas que não existem para dizer coisas que elas nunca disseram, sobre o que mais ela pode estar mentindo?
Um código de conduta ajuda a definir essas fronteiras, incentivando o bom uso da tecnologia e prevenindo os riscos. Ele serve como um balizador para que a inovação ocorra de forma responsável e ética.
O impacto direto no dia a dia da equipe
Um código de conduta bem estruturado não é apenas um documento formal; ele se traduz em clareza e segurança para o dia a dia da equipe, eliminando dúvidas que podem paralisar a inovação e a produtividade. Questões como “Posso usar essa imagem no job?”, “Preciso avisar ao cliente que usei IA?” ou “Essa ferramenta é confiável?” são respondidas, dando liberdade com responsabilidade. Isso resulta em menos erros, refações e desalinhamentos internos.
As áreas de criação, atendimento, planejamento e mídia são algumas das que mais se beneficiam de diretrizes claras para o uso da IA. Na criação, o código de conduta para IA orienta sobre os limites na geração de conteúdo e o cuidado com direitos autorais e de imagem. No atendimento e na gestão de projetos, reforça a importância da proteção de dados sensíveis e da confidencialidade das informações dos clientes. Já em mídia e BI, garante que decisões estratégicas, como a alocação de orçamentos e a definição de segmentações, sejam sempre validadas por profissionais, minimizando vieses e preservando a segurança da marca. Além disso, o código de conduta estabelece processos para a rastreabilidade da produção, registrando de forma padronizada todas as etapas de criação, as ferramentas utilizadas e as intervenções feitas pela IA. Essa documentação permite comprovar autoria e processo criativo, funcionando como evidência em disputas jurídicas, auditorias ou questionamentos de clientes, protegendo a agência de acusações de plágio e de violações de direitos autorais.
Como criar um código de conduta para IA sem travar a inovação?
O grande desafio na criação de um código de conduta para IA é garantir que ele não se torne uma barreira para a inovação, mas sim um facilitador. O segredo está em construir um documento que seja vivo, flexível e feito a várias mãos, que cresça junto com a tecnologia e as necessidades da agência. Um bom código de conduta para IA deve:
- Envolver a equipe e as lideranças: converse com as lideranças e os colaboradores de diferentes áreas para entender como a IA já é utilizada, quais são as principais dúvidas e os desafios enfrentados. Essa abordagem garante que o documento seja prático e relevante para o dia a dia da agência.
- Criar diretrizes claras, mas flexíveis: Em vez de regras rígidas e imutáveis, foque em princípios éticos e orientações práticas. O ideal é uma abordagem baseada em risco, que foca em avaliar e diminuir os riscos específicos que cada sistema de IA pode trazer, em vez de aplicar a mesma regra pra tudo. Por exemplo, ao invés de definir uma regra ampla como “revise todo conteúdo criado por IA antes de publicar”, sem indicar o que precisa ser verificado, estabeleça que “todo conteúdo gerado por IA que utilize referências externas ou bancos de dados não proprietários deve passar por checagem de direitos autorais, verificação de possíveis vieses e confirmação de que não contém dados pessoais sem consentimento”.
- Ser atualizado com frequência: a tecnologia de IA está em constante e rápida evolução. Por isso, o código de conduta para IA deve ser revisado periodicamente para garantir que ele continue relevante e eficaz. A governança de IA é um processo que tá sempre em movimento e que precisa de adaptação e melhoria contínuas
O que um bom código de conduta para IA deve ter?
Um código de conduta para IA bem elaborado precisa ser completo o suficiente para cobrir todos os aspectos críticos do uso da tecnologia na agência, mas também prático, oferecendo orientações aplicáveis no dia a dia. Isso significa contemplar desde princípios éticos que orientam o trabalho até regras claras sobre quais usos são permitidos ou proibidos, passando por diretrizes para comunicação com clientes, responsabilidades internas e rastreabilidade da produção.
- Princípios éticos: definem a base sobre a qual todas as decisões envolvendo IA serão tomadas, garantindo que a tecnologia seja centrada no ser humano, transparente, rastreável e responsável. Na prática, isso pode significar incluir uma regra como: “Todo material gerado com IA deve respeitar integralmente os direitos autorais e de imagem, e não pode reproduzir estereótipos ou vieses discriminatórios”.
- Casos de uso permitidos, críticos e proibidos: deixam claro em quais situações a IA pode ser utilizada de forma autônoma, em quais precisa de revisão humana e em quais é vedada. Por exemplo: permitir que a IA gere variações de layout para testes A/B sem restrição, exigir revisão obrigatória para textos que utilizem dados externos não proprietários e proibir o upload de dados sigilosos de clientes em ferramentas públicas.
- Orientações sobre transparência com o cliente: estabelecem como e quando comunicar o uso de IA nos projetos. Isso pode incluir diretrizes como: “Sempre que um conteúdo for gerado total ou parcialmente por IA, o cliente deve ser informado e receber explicações claras sobre como a tecnologia foi utilizada”.
- Responsáveis internos pela revisão e atualização: determinam quem é o ponto focal para supervisionar o uso da IA. Na prática, isso significa nomear um profissional responsável por garantir que a aplicação da IA esteja alinhada a princípios éticos, regulamentos e políticas internas, avaliando riscos, prevenindo vieses e preservando a transparência nos processos.
- Indicação de ferramentas autorizadas e treinamentos recomendados: define quais plataformas de IA foram testadas e aprovadas para uso, e como a equipe será capacitada. Por exemplo: manter uma lista atualizada de ferramentas autorizadas no repositório interno da agência e realizar treinamentos trimestrais sobre uso ético e seguro da IA.
- Rastreabilidade da produção: estabelece um processo para documentar a criação, produção e edição de conteúdos que envolvem IA, registrando quais trechos foram gerados ou editados pela tecnologia. Isso pode incluir decupagens que identifiquem claramente frames ou elementos produzidos com IA, garantindo evidências para disputas jurídicas ou auditorias de compliance.
A inteligência artificial não é mais o futuro, é o AGORA do nosso mercado. Ter um código de conduta em IA para agências não é pra frear a criatividade, mas sim pra acelerar a inovação de um jeito responsável. As marcas que se ligarem rápido nessas mudanças, implementando umas boas práticas internas e códigos de conduta claros, vão estar na frente pra aproveitar o que a IA tem de bom, e ainda proteger a reputação e a confiança do consumidor.
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