Apesar de estar no centro das discussões recentes no mercado de comunicação, a inteligência artificial não é uma invenção nova. A ideia de construir máquinas capazes de pensar como humanos remonta aos anos 1950. O termo “inteligência artificial” foi cunhado oficialmente em 1956, durante a conferência de Dartmouth, organizada por John McCarthy e outros cientistas que buscavam entender como sistemas computacionais poderiam simular capacidades humanas como aprendizado, raciocínio e resolução de problemas.
Desde então, a evolução foi marcada por altos e baixos. Nas décadas seguintes, surgiram diversas promessas, nem todas cumpridas, que geraram períodos de entusiasmo seguidos por frustração. Entre os anos 1970 e 1990, por exemplo, as limitações tecnológicas e a escassez de dados e poder computacional impediram que muitas ideias saíssem do papel. Ainda assim, aplicações práticas começaram a surgir, como sistemas especialistas na medicina e programas educacionais adaptativos, abrindo espaço para a consolidação da IA como campo de pesquisa relevante.
Hoje, vivemos uma nova onda de avanços, impulsionada por tecnologias como machine learning, processamento de linguagem natural e IA generativa. Esse ressurgimento não é gratuito: ele ocorre porque agora temos poder computacional, dados em abundância e aplicações reais que geram valor. E no mercado publicitário, esse é um tema urgente.
A IA vem mudando a forma como campanhas são criadas, entregues e analisadas, pressionando agências a se adaptarem e encontrarem novas formas de agregar valor. Pensando nisso, realizamos um encontro com a comunidade iClips para entender como donos de agências estão lidando com essas transformações e quais caminhos estão encontrando. As conversas e experiências compartilhadas nesse evento serviram de base para este conteúdo.
Como a IA já está sendo usada nas agências?
A inteligência artificial já faz parte do dia a dia das agências, atuando desde o primeiro briefing até a entrega final. Seu uso tem crescido porque ajuda as equipes a economizarem tempo com tarefas operacionais, automatiza etapas repetitivas e oferece suporte criativo e analítico. Além disso, o uso estratégico da IA tem possibilitado a criação de novos serviços. Um bom exemplo é o da agência Dominus Evangelização, que nos contou no encontro da comunidade que tem ensinado os alunos, durante as mentorias, a fazerem tabulação de dados e construírem o diagnóstico organizacional com apoio do ChatGPT, uma forma de gerar valor mesmo fora do escopo tradicional de entrega.
Com a velocidade com que novas ferramentas têm surgido, sabemos que essa é uma discussão que rapidamente se torna desatualizada. Ainda assim, reunimos uma curadoria das principais aplicações por setor:
Atendimento e Planejamento
- NotebookLM: auxilia na extração de insights a partir de briefings e documentos dos clientes.
- Read.ai, TLDV e Fireflies: transformam reuniões em transcrições automáticas com resumos, atribuição de tarefas e insights acionáveis.
- Perplexity e Claude: ampliam as possibilidades de pesquisa e benchmarking com fontes confiáveis.
Criação
- ChatGPT e Claude: auxiliam no brainstorming e redação de roteiros e campanhas.
- Clarice: atua como revisora automática, garantindo qualidade textual.
- Midjourney e Visual Electric: geram rascunhos visuais e protótipos com agilidade.
Mídia e Dados
- Meta Advantage+ e Performance Max: automatizam veiculação, segmentação e otimização de campanhas.
- Read.ai e Fireflies: ajudam na geração de relatórios e integração com BI.
- ChatGPT: é possível analisar grandes volumes de dados públicos, como os do Censo, cruzando com pesquisas qualitativas para gerar insights relevantes.
Principais desafios no uso da IA nas agências
Apesar de tantas possibilidades, o uso de IA nas agências ainda exige cuidado e reflexão. Entre os pontos levantados na discussão com a comunidade iClips, surgiu um consenso: a IA pode ampliar o potencial das equipes, mas só quando usada com critério e supervisão humana.
Bruno Fonseca, da Agência Formigueiro, foi direto ao ponto: “O ChatGPT é um estagiário inteligente. Ele ajuda, mas precisa de direção”. Ou seja, mesmo ferramentas sofisticadas ainda dependem do olhar humano para garantir relevância, consistência e responsabilidade nas entregas.
Essa preocupação foi aprofundada por Daniel Moreira, da agência Incomum, que destacou o risco da criatividade ser banalizada quando deixamos que a IA dite o ritmo de produção. A produtividade aumenta, mas sem um filtro crítico, o resultado pode ser raso e repetitivo. O ponto de conexão entre essas falas é claro: a IA deve servir à criatividade, não substituí-la.
Essa mudança de lógica impacta diretamente os modelos de negócio das agências. Como apontou Lucas Resende, da AproximaCo, alguns clientes estão internalizando ferramentas como ChatGPT e Midjourney para realizar tarefas operacionais sozinhos, contratando as agências apenas pela parte estratégica. Isso pressiona o modelo tradicional de cobrança por hora, pois o tempo de execução tende a diminuir com o uso da IA.
Diante disso, pensar em novas formas de precificação se torna essencial. A proposta é mudar o foco do tempo para o valor gerado. Uma campanha desenvolvida com o apoio da IA pode ter sido entregue mais rapidamente, mas se gerou impacto real para o cliente, deve ser precificada de acordo com esse resultado. Isso exige das agências uma postura mais consultiva, com foco em entregas personalizadas, escaláveis e de alto valor percebido.
Essa transformação no modelo de negócio se conecta com outro ponto levantado no encontro: a redefinição de papéis dentro das equipes. As funções mais operacionais, como redatores, analistas de mídia e atendimento, são as mais ameaçadas pela automação, justamente por envolverem tarefas repetitivas e estruturadas. Mas isso não significa o fim desses cargos. Pelo contrário: abre-se espaço para que esses profissionais assumam funções mais estratégicas. Redatores podem se tornar diretores de conteúdo; analistas, especialistas em dados e parametrização; e o atendimento pode evoluir para consultoria de relacionamento e performance.
O que une todos esses desafios é a necessidade de liderança ativa. Os gestores precisam promover capacitação, testar novas abordagens e dar clareza sobre os novos papéis. A IA não substitui o humano ela reposiciona o humano onde ele é mais essencial.
Impactos da inteligência artificial no mercado publicitário
O que estamos vendo dentro das agências reflete um movimento maior no mercado. A transformação gerada pela IA vai além da operação e começa a alterar toda a dinâmica da publicidade. Segundo estudo da KPMG, 88% dos líderes de marketing acreditam que a IA trará mudanças profundas na forma de pensar criatividade e eficiência. E esse dado dialoga com o alerta de Daniel Moreira, da agência Incomum, que ainda em 2024, escreveu em seu blog sobre a banalização da criatividade quando deixamos que a IA dite o ritmo da produção sem a mediação humana.
Essa preocupação se conecta a um dos impactos mais relevantes no mercado: a mudança na expectativa sobre o papel das agências. À medida que a automação assume tarefas operacionais, cresce a demanda por entregas mais estratégicas. As marcas não querem apenas peças publicitárias elas esperam inteligência. Esperam que as agências sejam capazes de interpretar dados, compreender o comportamento do consumidor e propor soluções criativas com base em insights reais. Esse movimento reposiciona as agências como parceiras de negócio, exigindo delas um papel mais consultivo e analítico.
Outro impacto importante está na construção de campanhas mais representativas. O uso da IA permite analisar grandes volumes de dados de comportamento, linguagem e imagem, o que amplia a capacidade de identificar padrões diversos e gerar conteúdo mais alinhado à pluralidade do público. Isso é um avanço porque contribui para uma comunicação mais inclusiva, porém também exige cuidado: sem curadoria humana, os algoritmos podem reforçar estereótipos ou tomar decisões enviesadas com base em dados históricos.
Essa aceleração também traz desafios. Com a IA, o tempo de produção de campanhas diminui, o que pode comprometer a profundidade das ideias se não houver espaço para maturação. A urgência por entregas mais rápidas pode gerar conteúdos superficiais, repetitivos ou desconectados de uma estratégia de longo prazo. Isso vale tanto para o desenvolvimento criativo quanto para o posicionamento da agência, que também precisa de consistência, reflexão e propósito, mesmo em ciclos mais ágeis.
Além disso, estamos vendo uma redistribuição de forças no mercado. Ferramentas antes restritas a grandes estruturas agora estão acessíveis a pequenas agências, permitindo que entreguem com alto nível de sofisticação. Isso democratiza o acesso à tecnologia e eleva o padrão da concorrência. Por outro lado, obriga as agências maiores a repensarem constantemente seus processos, diferenciais e propostas de valor. O tamanho da operação deixou de ser um escudo competitivo, o diferencial está na inteligência estratégica com que a tecnologia é usada.
Tendências em IA para agências nos próximos anos
Seguindo essa linha de transformação, as tendências apontam para a consolidação da IA como elemento estruturante das operações. Entre as principais inovações está o uso de agentes personalizados, os chamados IA agents. Trata-se de assistentes inteligentes, programados com o histórico, o CRM e os dados de cada cliente, capazes de automatizar tarefas, compilar relatórios, oferecer sugestões criativas e responder dúvidas de forma contextualizada. Na prática, funcionam como analistas dedicados, com disponibilidade em tempo integral.
Esse movimento reforça o papel da agência como um hub de conhecimento técnico e estratégico. A iniciativa de Jean Ricardo, da Dominus Evangelização, exemplifica bem isso: ao ensinar clientes a usar o ChatGPT no planejamento estratégico, ele transformou a IA em um ativo de relacionamento e entrega de valor. As agências que souberem estruturar esse tipo de oferta terão um diferencial claro, mais do que executar, elas ensinam, guiam e ampliam o potencial dos clientes.
Dentro desse cenário de inovação e uso intensivo de tecnologia, a regulamentação surge como uma tendência inevitável. A IA Act, proposta pela União Europeia, busca garantir o uso ético e seguro da inteligência artificial. Suas diretrizes tratam de temas como a transparência dos modelos, a rastreabilidade de dados usados em decisões automatizadas, a prevenção de discriminação algorítmica e a responsabilização por eventuais impactos.
Embora o foco seja a proteção do consumidor e da sociedade, os efeitos dessa regulação se estendem diretamente ao setor publicitário. As agências precisarão se adaptar para operar com mais controle e responsabilidade e quem sair na frente nesse processo, sairá também em vantagem competitiva.
Como preparar sua agência para aproveitar o potencial da IA
Diante de tudo isso, uma coisa é certa: a IA não é um modismo. É um divisor de águas. E a melhor forma de lidar com ela é começar. O primeiro passo é mapear os fluxos internos e identificar onde estão os gargalos, onde a IA pode gerar valor e onde existem oportunidades de inovação. A AproximaCo, por exemplo, propôs a criação de um painel no Miro em que mapearam todos os fluxos da agência e como a IA poderia facilitar os processos.
Em paralelo, vale criar guias de boas práticas para orientar o uso das ferramentas, garantir segurança e consistência. Promover formações internas, criar fóruns de troca entre áreas e manter as lideranças envolvidas são formas de acelerar a curva de aprendizado.
A inteligência artificial está mudando o jogo. Mas o verdadeiro diferencial das agências continua sendo humano: visão estratégica, pensamento crítico, criatividade aplicada. Quem souber combinar isso com a tecnologia, sem medo, mas com responsabilidade, seguirá não só relevante, mas essencial no futuro da comunicação.
Se a IA está mudando o que entregamos para os clientes, ela também exige que a estrutura interna das agências evolua. O iClips pode te ajudar a ter uma gestão mais integrada, orientada por dados e preparada para esse novo posicionamento consultivo. Saiba mais sobre como iClips pode ajudar sua agência a acelerar os resultados.